Contar a história do primeiro Correio-Mor de Portugal é falar dos principais acontecimentos históricos daquele tempo, nos quais Luís Homem participou directa ou indirectamente.
Antes de ter sido nomeado para este ofício em 1520, o primeiro Correio-Mor do Reino já tinha desempenhado outras importantes funções, as quais foram determinantes para o reconhecimento da sua competência. Desconhece-se a sua origem, mas existe a possibilidade de ele ter sido filho de Pedro Homem, que foi Estribeiro-Mor de D. Manuel quando ainda era Duque de Beja, bem como irmão de Francisco Homem, que o sucedeu no cargo já durante o seu reinado.[1] Esse cargo tinha a função de gerir os “moços de estribeira” donde provinham justamente os mensageiros oficiais da casa real. Por volta de 1512, Luís Homem era criado do Rei D. Manuel, não possuindo por essa altura qualquer outro estatuto social, mas somente a especialidade de “Bombardeiro”.[2] De facto, muito antes de se tornar mensageiro real pela Europa afora e em especial na Flandres, foi também soldado no longínquo Oriente, onde desempenhou – ainda que involuntariamente – o papel de correio de boas novas por se encontrar na Índia a 25 de Novembro de 1510, quando Afonso de Albuquerque conquistou definitivamente a Cidade de Goa.
Embarcado na armada comandada pelo Capitão-Mor Gonçalo de Sequeira, composta por sete naus e que em Março desse ano de 1510 partira de Lisboa com destino à Índia para o comércio das especiarias,[3] Luís Homem irá chegar a Cananor em 8 de Setembro do mesmo ano,[4] justamente quando o Governador Afonso de Albuquerque se preparava para retomar a Cidade de Goa, depois de uma primeira tentativa frustrada de conquista no início daquele ano. Como Condestável de Bombardeiro, Luís Homem fazia parte da tripulação da Nau “Flamenga”, pertencente ao mercador português Tomé Lopes[5] e a outros armadores.[6] Provavelmente esta terá sido a nau que fora comandada por Lourenço Lopes,[7] um comerciante português estabelecido na Flandres, que por sua vez era sobrinho de um outro Tomé Lopes de Andrade, Feitor em Antuérpia e posteriormente Feitor da Casa da Índia, além de Embaixador de D. Manuel junto à Corte de Brabante,[8] de quem o futuro Correio-Mor será mensageiro quando da sua missão naquela Corte, conforme veremos mais adiante.
A julgar pela qualificação de Luís Homem como comandante dos bombardeiros daquele navio, sem dúvida alguma que poderia ter sido muito útil na reconquista de Goa, mas tal não aconteceu. Durante a reorganização das forças para um novo ataque àquela cidade, Afonso de Albuquerque procurou auxílio nas armadas recentemente chegadas de Lisboa. Para além da frota capitaneada por Gonçalo de Sequeira, em que vinha o nosso futuro Correio-Mor, chegara uma outra composta por outras quatro naus sob o comando de Diogo Mendes de Vasconcelos, que tinha por destino o porto de Malaca.[9]
Num Conselho reunido em Cochim por Afonso de Albuquerque, houve grande divergência de opiniões entre os capitães-mores das armadas e os outros comandantes dos navios – inclusive com o célebre circum-navegador Fernão de Magalhães – quanto à posição a ser tomada, tanto em relação ao projecto de reconquista de Goa – defendida por Albuquerque – como em relação ao cumprimento das instruções régias no tocante aos objectivos daquelas armadas.[10] Ficaria contudo estipulado que a Armada de Malaca, comandada por Diogo Mendes de Vasconcelos, auxiliaria Afonso de Albuquerque naquela empresa, tendo-lhe o Governador da Índia prometido que o auxiliaria na viagem até Malaca depois daquela missão, o que de facto veio a ocorrer no ano seguinte, altura em que o mesmo Afonso de Albuquerque acabaria por conquistar também aquela estratégica cidade asiática.[11]
Quanto à armada comandada por Gonçalo de Sequeira – onde se encontrava o nosso futuro Correio-Mor Luís Homem – o seu comandante, bem como os outros capitães dos navios, recusaram-se a participar no projecto. Alegaram como principal razão o facto de naquela viagem a armada ser composta exclusivamente por naus de mercadores e que devido ao contrato que tinham com os seus feitores, os quais representavam nessa viagem, não queriam atrasar os negócios nem participar numa empresa que poria em risco o objectivo principal daquela missão, a qual visava somente a aquisição das preciosas especiarias.[12]
Esta atitude veio indispor Afonso de Albuquerque com Gonçalo de Sequeira,[13] tendo o governador sentenciado que mesmo antes da armada se abastecer das especiarias, teriam eles conhecimento da conquista e seriam os portadores da notícia para o Reino, pois “que nestas naus havia de mandar recado a El-Rei que ele ficava descansando dentro na Cidade de Goa”.[14] Afirmou ainda Albuquerque, que eles arcariam com a responsabilidade de perderem uma oportunidade de servirem ao seu soberano, acrescida da vergonha de não participarem de um tão grande feito.[15] O governador – de espírito mais guerreiro do que comercial – chegou ainda a queixar-se ao monarca: “se Vossa Alteza quer ser rico, não venham cá naus de mercadores para o negócio da Índia, naus há nela que abastem se lhe mandardes muitas lanças e muitas armas”.[16] Bem gostaria D. Manuel de seguir esse conselho, chegando a responder “que assim se fará, prazendo a Deus”.[17] Contudo, a debilidade financeira da Coroa frente ao audacioso projecto do tráfico indiano, já não podia dispensar o patrocínio decisivo dos particulares no lucrativo comércio asiático.[18]
Reconquistada definitivamente a Cidade de Goa em 25 de Novembro de 1510, confirmou-se a profética previsão de Afonso de Albuquerque, tendo a Armada de Gonçalo de Sequeira e com ela o nosso futuro Correio-Mor do Reino, acabado por trazer a Lisboa os maços de cartas com as notícias da importante conquista, bem como sobre outros assuntos e as providências tomadas a respeito do império oriental que então se construiria e que agora já possuía a sua sede.[19]
Chegando a Portugal em meados do ano de 1511,[20] Luís Homem viajará em seguida para a Flandres, possivelmente para acompanhar as especiarias pertencentes à Coroa trazidas na viagem e que eram na sua maior parte negociadas naquela região através da Feitoria Portuguesa de Antuérpia. Isto é o que se poderá deduzir de um mandado de D. Manuel datado de 18 de Agosto de 1512,[21] no qual se refere a chegada de Luís Homem a Lisboa, vindo da Flandres, donde trazia a fazenda real, que deveria consistir no produto da venda de parte daquelas mercadorias.
Neste mesmo documento, fica patente o valimento que Luís Homem já possuía junto ao monarca, pois para além da confiança nele depositada para trazer o seu dinheiro, D. Manuel ordenava ao Feitor e mais Oficiais da Casa da Índia, que pagassem logo a Luís Homem em pimenta o que lhe ficasse líquido dos trinta e quatro quintais que trouxera na nau em que fora à Índia, para que ele a pudesse levar consigo à Flandres onde era novamente enviado a serviço do rei.[22]
Este pagamento em pimenta correspondia à sua “quintalada e camarote”, a que Luís Homem tinha direito em virtude da sua viagem ao oriente e que era uma forma de incentivo dado pela coroa a quem participasse no grande projecto das navegações dos descobrimentos. Consistia isso numa parte do soldo pago sob a forma de licença de importação para a metrópole de uma certa quantidade de especiarias, compradas com o seu próprio dinheiro, mas livre de frete. Estas mercadorias eram arrumadas em câmaras reservadas à tripulação do navio e que variavam de tamanho conforme a categoria do tripulante. No caso de Luís Homem, como Condestável de Bombardeiro, teve ele direito de trazer cinco quintais e duas arrobas de pimenta. Porém, tendo comprado também os lugares das quintaladas de outros onze tripulantes do navio em que viajava, totalizou o direito a trinta e quatro quintais, que após abater a quebra de 10% e o “quarto e vintena” (correspondente aos direitos de alfândega), se traduziram num valor líquido de vinte quintais, duas arrobas e vinte arráteis de pimenta (cerca de 1 tonelada), que ele próprio levará para a Flandres.[23]
Note-se, que a concessão dada a Luís Homem de poder levantar a sua parte em pimenta era uma excepção. A partir de 1504, com o monopólio real, entrou em vigor um novo regime comercial e todas as especiarias descarregadas em Lisboa passaram obrigatoriamente a dar entrada na Casa da Índia, que por sua vez as negociava a preço único. Somente depois de vendidas, é que era entregue a cada mercador o valor em dinheiro correspondente ao que lá tinha depositado.[24] Dessa forma, Luís Homem obteve o raro privilégio de poder negociar directamente na Flandres o preço da sua mercadoria, conseguindo assim uma melhor remuneração do seu investimento.
Nessa época, a Cidade de Antuérpia era já o principal centro distribuidor das especiarias e dos produtos coloniais portugueses no norte da Europa, onde Portugal tinha uma importante comunidade de mercadores reunidos em torno da Feitoria Portuguesa, que servia como uma representação comercial e diplomática da coroa naquela região. Os portugueses formavam uma das principais “nações” estrangeiras naquela cidade, possuindo vários privilégios e isenções outorgados pela casa reinante dos Habsburgos. Será neste ambiente de intenso tráfego comercial que se estabelecerão as mais estreitas relações diplomáticas entre a Corte Portuguesa e a Casa da Áustria. Tais relações terão ainda como consequência um constante intercâmbio de correspondência epistolar entre Portugal e a Flandres, em que Luís Homem também veio a participar como mensageiro real.
Será nesse contexto que D. Manuel enviará em finais de 1514 à Corte do seu primo direito, o Imperador Maximiliano de Habsburgo (eram ambos netos do Rei D. Duarte), o Feitor da então opulenta e poderosa Casa da Índia, Tomé Lopes de Andrade, com amplos poderes sobre a Feitoria Portuguesa de Antuérpia.[25] Esta missão tinha como objectivo negociar com os grandes potentados do comércio e das finanças alemães (Fugger, Hochstetter e Welser), o fornecimento de cobre para suprir as necessidades das Armadas da Índia e do comércio oriental. Visava também tratar de questões políticas junto ao Imperador relativas às negociações sobre o casamento da Infanta D. Leonor, sua neta, com o Príncipe herdeiro Português, D. João e da irmã deste, D. Isabel, com o seu outro neto e futuro Imperador, o Arquiduque Carlos de Áustria.[26]
Tomé Lopes de Andrade – já referenciado no início deste artigo – tinha sido Feitor em Antuérpia entre 1498 e 1505, justamente no tempo em que chegaram àquela cidade os primeiros navios portugueses carregados de especiarias asiáticas e quando por isso ali se firmou o primeiro contrato de venda daquele produto na região, no ano de 1503.[27] Mercador experiente e arguto diplomata, era muito considerado na Corte de Brabante e foi por isso para aí enviado como Embaixador entre 1509 e 1511, tendo negociado o importante acordo que concedia o estatuto de “nação mais favorecida” aos portugueses residentes naquela cidade, ficando igualmente garantida uma casa para sede da Feitoria, mediante uma doação da municipalidade de Antuérpia.[28]
Quando da sua chegada à Augsburgo em Maio de 1515, Tomé Lopes refere em carta a D. Manuel, que: “Quando passei por esta cidade para ir ao Imperador, os governadores dela e assim os Fugger, Hochstetter, Welser e todas as outras companhias e mercadores, me fizeram muita honra e me enviaram muitos presentes; e assim o fizeram quando tornei com o Imperador.” Nesta mesma carta, numa clara alusão ao prestígio que Portugal alcançara na cena internacional daquele tempo, concluía: “O Imperador toma grande passatempo em saber das cousas da Índia e dos reis que são sujeitos a Vossa Alteza, e há por mui grande feito a guerra de África, assim no Reino de Fêz, como no de Marrocos, sobre que muito me tem perguntado tudo. Os senhores e povos não falam em nenhuma cousa tanto, como em estas conquistas de Vossa Alteza.”[29] Já em Agosto do mesmo ano de 1515, Tomé Lopes comunicava a D. Manuel que aguardava a chegada do Imperador, que vinha de Viena, para se despedir[30] e seguir para Bruxelas, onde se avistaria com o neto de Maximiliano, o Arquiduque Carlos de Áustria, soberano dos Estados de Brabante e herdeiro presuntivo do trono de Espanha, por ser o filho mais velho de Joana “a Louca” e esta a única filha dos Reis Católicos.
No entanto, pouco depois, a 23 de Janeiro de 1516, o Rei Espanhol, Fernando o Católico, viria a falecer, causando grande apreensão na Corte Portuguesa, manifestada através das cartas régias datadas de 1º de Fevereiro daquele ano e enviadas aos governadores das diferentes fortalezas do Reino, para que as guardassem e velassem com toda a segurança e cuidado.[31] A sucessão ao trono de Castela revelou-se uma questão delicada visto a herdeira directa, Joana a “Louca”, estar internada em Tordesilhas como incapaz e o seu jovem filho e herdeiro Carlos, então soberano de Brabante, se encontrar em Bruxelas. Pelo testamento do falecido rei, ficava nomeada uma regência para governar em nome do seu neto, o Arquiduque de Áustria, até a sua chegada a Castela para ser jurado em Cortes conforme a tradição espanhola. Contudo, os acontecimentos precipitaram-se e Carlos, estando ainda em Bruxelas, apressou-se em tomar o título real espanhol em Março desse mesmo ano de 1516, para assim poder negociar em melhores condições a paz com Francisco I, Rei de França, que viria a ser o seu principal rival no cenário europeu daquele tempo. Tal atitude causou algum descontentamento e apreensão em Espanha, resultantes da expectativa sempre adiada da sua vinda para tomar posse e residir naquele Reino, facto que só viria a ocorrer em 7 de Fevereiro de 1518. Nesse clima de instabilidade e incerteza, o Rei D. Manuel procurará saber através dos seus servidores na Flandres e em Castela de todas as notícias relacionadas com o desenrolar dos acontecimentos, de forma a levar a bom termo a sua política europeia[32] justamente num momento em que o seu império colonial se encontrava em grande expansão noutras partes do mundo. E é neste cenário que surgirá novamente Luís Homem como elo de ligação entre a Corte Portuguesa e os seus correspondentes no estrangeiro.
Em Bruxelas, os contactos estabelecidos por Tomé Lopes com o jovem Rei Espanhol e os seus mais próximos Conselheiros, nomeadamente o Monsenhor de Chièvres, Guilherme de Croy, o Grão Chanceler de Borgonha, Jean Le Sauvage, e em especial um dos Secretários daquele monarca, o “português” Cristóvão Barroso,[33] revelar-se-ão de uma enorme importância naquela conjuntura. A confirmar este facto, veja-se a carta de um dos correspondentes de D. Manuel na Flandres, Rui Fernandes de Almada, onde se afirma que o enviado português, Tomé Lopes, “tem grande crédito com estes que governam, ajudou aqui a muitos, é grande amigo do Conde Dom Fernando[34] e assim de todos”.[35]
Num primeiro momento, foi intenção de D. Manuel que o seu enviado à Corte de Brabante retornasse o mais depressa possível a Portugal, depois de prestar as condolências ao novo rei pela morte do seu avô e de saber quando seria sua intenção de vir a Castela tomar posse do seu novo reino.[36] Ocorreu, porém, que o secretário do soberano espanhol comunicasse a Tomé Lopes que o novo monarca teria também muito gosto com os casamentos em perspectiva, notícia esta que o enviado português transmitiu imediatamente a D. Manuel, através do futuro Correio-Mor Luís Homem, que rapidamente partiu para Portugal com as importantes novidades.[37]
Para uma maior diligência na sua viagem, Luís Homem irá aproveitar a estrutura montada por Francisco de Taxis, Mestre dos Correios da Corte do Imperador Maximiliano e o primeiro representante de uma família que se transformará em sinónimo de “correios” por toda a Europa.[38] Tendo sido encarregue pelo Imperador de criar uma rede de ligação postal dentro das fronteiras do vasto império da Casa dos Habsburgos, Francisco de Taxis havia já organizado por volta de 1516 várias carreiras de postas centralizadas em Bruxelas, donde partiam correios com alguma regularidade para Viena, Roma e Madrid. Essas carreiras consistiam numa série de cavalariças dispostas ao longo do caminho (postas), onde um Mestre chamado de “Posta” tinha como obrigação ter sempre pronto um certo número de cavalos para serem alugados aos correios ou a viajantes, os quais, por sua vez, eram revezados e substituídos nas postas seguintes. Luís Homem seguirá justamente pela carreira de Madrid, tendo percorrido sessenta e oito mudas de postas entre Bruxelas e Burgos, ao custo de um cruzado cada uma. Em Burgos adquiriu um cavalo por quinze cruzados, seguindo então até Almeirim, onde se encontrava a Corte Portuguesa.
Luís Homem gastou ao todo no caminho – com mais cinco cruzados para a despesa da sua pessoa – oitenta e oito cruzados, dos quais uma parte lhe tinha adiantado Tomé Lopes em Bruxelas. Esta quantia foi mandada saldar por carta régia de 11 de Abril de 1516, pela qual D. Manuel ordenou a Silvestre Nunes, então Feitor na Flandres, que pagasse a ambos o que lhes era devido.[39]
Entretanto, Tomé Lopes, que adoecera gravemente, ficará “aguardando cada hora por Luís Homem”.[40] Embora tentando voltar à Flandres o mais rapidamente possível com a correspondência real, o futuro Correio-Mor do Reino atrasa-se, levando aproximadamente dois meses para chegar a Antuérpia, pois “veio ter à Baiona e esteve aí muitos dias aguardando por tempo, e daí veio ter a Inglaterra e disse veio por terra [sic] até esta Vila”.[41] Na sua chegada encontrou Tomé Lopes moribundo, mas ainda em condições de lhe passar uma declaração a 20 de Junho do mesmo ano de 1516, do gasto de mais vinte cruzados que teve na sua viagem, “no qual caminho e passagem fez muito mais despesa”.[42]
Tomé Lopes veio a falecer uma semana depois, a 28 de Junho, dando origem a que não fossem entregues as cartas do Monarca Português ao jovem Rei Espanhol e nem aquela para os seus conselheiros, caso que muito desconsolou D. Manuel, pois “bem nos provera serem dadas nossas cartas ao menos por não passar tantos dias sem serem lá sabidos nossos recados”.[43] Esta decisão fora tomada por Lourenço Lopes, já nosso conhecido, sobrinho do falecido Feitor da Casa da Índia e antigo comandante da Nau Flamenga da Armada de Gonçalo de Sequeira – a mesma em que Luís Homem servira como Condestável de Bombardeiro – que julgou melhor recambiar a correspondência para Portugal, tendo em vista a delicadeza da situação. D. Manuel, compreendendo a atitude de Lourenço Lopes, o fez suceder ao seu falecido tio nessa missão tornando a enviar Luís Homem à Flandres com as mesmas instruções e cartas que enviara a Tomé Lopes, assim como ao Rei de Castela e a seus Conselheiros, em 20 de Julho do mesmo ano de 1516.[44] Nelas, D. Manuel respondia ao Secretário do Rei Espanhol, o “português” Cristóvão Barroso, que sobre os casamentos projectados entre os príncipes de ambas as coroas, “por este negócio ser da qualidade que vedes e de tanta importância, que convém ser praticado e falado por pessoa de que tanta confiança se tenha como o caso o requer [...] E a pessoa que assim havemos de enviar, temos já ordenada e se despacha e faz prestes, para logo após este se partir.”[45] Tratava-se de Pedro Correia, do Conselho do Rei, Fidalgo da Casa Real e Senhor de Belas, descendente de antigos servidores da família de D. Manuel enquanto Duques de Beja e amigo pessoal de Afonso de Albuquerque.[46] Para além de Pedro Correia, como Embaixador, faziam parte da comitiva João Brandão (que fora e tornaria a ser Feitor em Antuérpia) como Escrivão da Embaixada, bem como Luís Homem, que iria servir como Correio. Recomendou D. Manuel a Lourenço Lopes, que auxiliasse o embaixador no que fosse necessário.[47]
Tendo partido a Embaixada de Lisboa somente a 15 de Outubro de 1516, ocorreu neste meio tempo um facto que julgamos determinante no desenrolar desta missão diplomática. Aproximadamente um mês antes da partida, a 8 de Setembro, nascera o Infante D. António, décimo filho do Rei D. Manuel com a sua segunda mulher, a Rainha D. Maria, que tendo sido baptizado dois dias depois e sem cerimónias “por o Infante estar doentinho”, veio a falecer logo a 1º de Novembro seguinte.[48] Damião de Góis relata na sua Crónica de D. Manuel, que “a Rainha Dona Maria ficou tão mau tratada do parto do Infante Dom António, que até à hora da morte nunca se mais achou bem porque se lhe gerou uma apostema dentro nas entranhas, sem em toda a medicina haver cousa que lhe pudesse dar saúde, pelo que procedendo esta má disposição com que se lhe acrescentavam de dia em dia gravíssimas dores, faleceu em Lisboa nos Paços da Ribeira aos sete dias do mês de Março do ano do Senhor de mil quinhentos e dezassete, em idade de trinta e cinco anos”.[49] Assim sendo, quando da partida da Embaixada de Pedro Correia, já se perspectivava na Corte a possibilidade de uma nova viuvez de D. Manuel, facto este que veio a ocorrer seis meses depois, ainda durante a permanência da embaixada na Flandres, que só viria a concluir-se em 15 de Abril daquele ano de 1517.[50]
Pedro Correia e a sua comitiva tinham seguido por terra até Paris, onde se avistaram com o Rei de França, Francisco I, que recentemente assinara em Noyon, a 13 de Agosto de 1516, o almejado tratado de paz com o novo Monarca Espanhol, Carlos I. Em seguida continuaram a viagem até ao seu destino, a Corte de Bruxelas, onde finalmente chegaram a 8 de Janeiro de 1517.[51] Lá, o Embaixador Português escreveu a 13 de Janeiro a sua primeira carta relatando as conversações iniciais que tivera com algumas personagens que se encontravam naquela Corte e na qual constava que em relação aos casamentos em perspectiva, “todos hão por certo que eu não venho à outra cousa senão a isso e estão mui ledos com a minha vinda”. Cristóvão Barroso (Secretário do Rei Espanhol e principal interlocutor do assunto), acrescentava ainda “que se eu nisso não falar, que mo não hão de cometer nem tocar, pela vergonha que cá entre eles é as mulheres cometerem os homens”.[52]
Na realidade, tal observação significava muito mais que apenas um escrúpulo protocolar ou social. A posição dos negociadores flamengos era no sentido de procurarem uma forma vantajosa de iniciarem as difíceis discussões sobre os dotes dos casamentos e de valorizarem ao máximo a aliança que surgiria entre as duas Coroas com aqueles enlaces. Por outro lado, essa postura traduzia também uma atitude de afirmação política por parte da Casa de Habsburgo face à sua crescente posição na Europa, que em breve se expandiria para o resto do mundo. Não obstante, as instruções de Pedro Correia eram no sentido de esperar pela oferta espontânea da mão de “Madama Leonor”, tendo em vista os contactos já efectuados com o falecido Tomé Lopes e do longo tempo em que se vinha trabalhando nesse assunto.[53] Além de que, assinalava também o embaixador na sua carta, a concretização desse casamento passaria por uma elevada despesa pecuniária com os intermediários do negócio, pois “este uso de se fazerem as cousas por dinheiro, anda cá mui praticado”. Pedro Correia tivera informações de pessoa muito próxima ao Imperador Maximiliano, que em relação aos casamentos ele “desejava muito de se fazerem e que seria bem Vossa Alteza dar XXX mil cruzados a Chièvres por consentir nisso”.[54]
Noutra carta de 5 de Fevereiro de 1517, o Embaixador Português, relatando a sua primeira audiência com o jovem Soberano Espanhol que ainda não completara 17 anos de idade, observava que “os negócios de cá todos são na mão de Chièvres e do Chanceler”,[55] sendo somente através deles que se resolveria algum assunto. Dessa visita, comentava ainda o Embaixador que “El-Rei tem mui boa disposição de corpo e é gentil homem de rosto, pero na boca tem alguma desgraça por não chegar bem um beiço ao outro; fala mui pouco e a meu parecer não tem a língua bem despejada; não entende em negócios senão quando alguma hora o Chièvres chama e faz estar em algum; sua ocupação principal é brincar com flamengos sem querer que castelhanos nisso entrem, antes me dizem que lhe aborrecem; não fala nada espanhol nem creio que o entende, senão se for algumas poucas palavras”. Em relação à almejada noiva, descreve ainda que “Madama Leonor não é mui formosa nem lhe podem chamar feia, tem boa graça e bom despejo, e parece-me de condição branda e avisada; não tem bons dentes e é pequena de corpo, e pareceu ainda mais porque cá não trazem chapins que passem da altura de dois dedos; é grande dançarina e folga de o fazer”. A estas considerações, acrescentava Pedro Correia enfaticamente que “toda esta Corte há por cousa mui certa que eu não venho a al senão a seu casamento e falam nisso publicamente, tendo sabido que ela e todos os de sua casa o desejam quanto é razão, e parece-me que ficariam mui desconsolados se soubessem como a isso não são vindos.”[56] Logo em seguida, a 8 de Fevereiro, o Embaixador teve a sua primeira entrevista com o Imperador Maximiliano na Cidade de Antuérpia, na qual o Imperador nunca se referiu ao assunto dos casamentos em causa. Assim, depois destes primeiros contactos e não havendo da parte daquela corte nenhum sinal claro sobre o início das negociações, determinou Pedro Correia “não deter mais Luís Homem”.[57] Para isso tinha já ordenado ao Feitor de Flandres, Silvestre Nunes, que lhe entregasse cem cruzados “como lhe já outras vezes foram dados para fazer o dito caminho”.[58] Partindo para Portugal no dia 9 de Fevereiro de 1517, o futuro Correio-Mor chegará a Lisboa por volta do dia 26 de Fevereiro.
D. Manuel, avaliando a reacção do Rei de Castela, dos seus Conselheiros e do Imperador à Embaixada que enviara, resolveu responder a Pedro Correia que “vendo como por ele ou da sua parte vos não foi falado no negócio dos casamentos nem também o Imperador, pois aí se acertaria”, ordenava “que vós não façais lá mais detenção nem falais em cousa alguma tocante aos ditos casamentos”. E que no caso de haver por parte de algum dos conselheiros régios alguma insistência em iniciar as negociações depois dessa notícia, que então “trabalhareis o que puderdes de saber de vosso, pela melhor maneira que vos parecer, o que se fará no dote”, acrescentando “que pois tanto se afirma a vinda Del-Rei este Verão à Castela, ele devia folgar de trazer consigo Madama Leonor, sua irmã, porque ordenando Nosso Senhor neste casamento se entender, estivesse cá mais perto”.[59]
Munido dessas instruções e de outras cartas com que o Rei D. Manuel mandava o seu Feitor em Antuérpia recompensar pecuniariamente e através de promoções em cargos, várias personagens que auxiliaram aquela embaixada, retornou Luís Homem à Flandres em 3 de Março de 1517. Tendo chegado à Bruxelas a 17 do mesmo mês,[60] levou ao todo somente 37 dias na sua missão de levar as correspondências e voltar com as respostas, como vemos pela carta do Escrivão da Embaixada, João Brandão, de 30 de Março de 1517: “Senhor, por um correio que daqui partiu sete ou oito dias há, escrevi a Vossa Alteza tudo o que até aqui era passado e entre outras algumas cousas lhe escrevi como Luís Homem chegara a esta Vila de Bruxelas a 17 dias deste mês de Março, às 8 horas do dia; e por conta acháramos que não pusera no caminho que pouco mais de catorze dias e meio, se partiu a dois dias de Março como me o secretário escreveu, ainda que ele diz que ele partira a 3 do dito mês. Como quer que seja, fez mui grande diligência segundo cá dizem todos os que sabem de postas e isto pelo mal aviamento que tem em Portugal, porque doutra feição, não seria muito ir em dez dias se tivesse o aviamento que tem por França, porque em cinco dias vai uma posta daqui a Burgos que são trezentas léguas. E por ele recebemos todas as cartas que nos por ele mandou Vossa Alteza, as quais mui bem vimos e entendemos e em todo, Senhor, se fará como manda e ordena.”[61]
Apesar dessa eficiência, Luís Homem irá reclamar cerca de um ano depois, que Pedro Correia tinha mandado descontar do seu salário “certo tempo que gastei em vir cá a Portugal com cartas a Sua Alteza, o qual tempo ainda me devem”.[62] A verdade, porém, é que ao ter demonstrado mais uma vez a sua vocação para o serviço postal, virá em breve a ser recompensado pela sua dedicação e fidelidade à coroa.
Entretanto, as novas instruções de D. Manuel para que regressasse a Portugal a embaixada que enviara, causaram uma surpresa geral, a começar pelo próprio Embaixador Pedro Correia, que escreveu: “ainda que sempre me pareceu que Vossa Alteza não voava de boa vontade esta perdiz, algum tanto estava descuidado de me mandar assim ir sem passar mais avante no negócio”, acrescentando que quando falou da sua ida ao poderoso Monsenhor de Chièvres e ao Chanceler Le Sauvage, “ficaram tão enleados que não puderam dissimulá-lo”.[63] Rui Fernandes de Almada, que acabava de ser nomeado Escrivão da Feitoria de Flandres, escreveu também: “Aqui soube do descontentamento que estes homens todos têm por Vossa Alteza mandar ir o embaixador, porque certo eles sempre cuidaram que ele vinha ao que todo mundo presumia” e que somente “eles aguardavam a vinda de Luís Homem para que se abrisse caminho”.[64]
Esta notícia foi provavelmente bem recebida por Francisco I de França, conforme a opinião de Pedro Correia, que observara nas conversações que tivera naquela Corte o desagrado com os casamentos planeados, pois em França estariam mais interessados em enfraquecer as novas alianças do Rei de Espanha do que propriamente incentivá-las.[65] Contudo, por uma ironia do destino, D. Leonor, que viria a ser Rainha de Portugal, através do terceiro casamento de D. Manuel, foi também Rainha de França. Após enviuvar do Rei Português, viria a contrair novo casamento em 1530, justamente com Francisco I. Seria este enlace uma das consequências do Tratado de Paz das “Damas”, assinado em Cambraia entre os eternos rivais: Carlos V e aquele Soberano Francês.
Depois de despedir-se dos Monarcas Habsburgos e seguindo as instruções que recebera, retornou Pedro Correia com a sua comitiva a Portugal, passando primeiramente por Inglaterra, para cumprimentar Henrique VIII em nome de D. Manuel e em seguida novamente por França, para mais uma vez se avistar com Francisco I.[66] Terminava assim a tão pouca conhecida embaixada portuguesa aos principais soberanos europeus daquele tempo.[67] Para Luís Homem, essa missão diplomática serviu para demonstrar mais uma vez as suas capacidades como mensageiro real, além da oportunidade de tomar conhecimento mais preciso do serviço postal montado pela Família Taxis, que lhe viria a servir de exemplo quando da tentativa de montar uma estrutura semelhante em Portugal.
Entretanto, o recado de D. Manuel ao seu sobrinho Carlos para que levasse consigo a sua irmã Leonor a Castela, foi prontamente atendido. A notícia do falecimento da Rainha Portuguesa D. Maria e a surpresa causada pelo retorno inesperado da embaixada de Pedro Correia, teriam contribuído para que a Corte Castelhana não perdesse mais uma oportunidade de aprofundar a sua aliança com o seu poderoso vizinho e assim retomar a estratégia de construção de uma futura União Ibérica. Por seu lado, D. Manuel também aspirava ao mesmo fim, além de desejar contribuir para uma paz duradoura na península e poder continuar com a sua expansão ultramarina, que nessa época se encontrava no auge.
Quando o jovem Rei Espanhol prestou juramento às Cortes reunidas em Valhadolide, em Fevereiro de 1518, D. Manuel enviou como Embaixador àquela Corte o seu Camareiro-Mor, Álvaro da Costa, para lhe prestar homenagem e negociar o casamento, que ao contrário do que se esperava, já não seria o do seu filho, mas sim o dele próprio. Esse desfecho foi tão surpreendente – conforme nos relata Frei Luís de Sousa nos seus “Anais Del-Rei Dom João III” –, que sobre a reviravolta e final desenlace destas negociações: “sendo o mandado público dar-lhe parabéns da vinda, foi o secreto que trabalhasse para si, matrimónio com a Infanta D. Leonor sua irmã; e foram os poderes que lhe deu tão largos e sem limite, que primeiro se soube em Portugal estar concluído, que começado.”[68]
No entanto e apesar de ter prevalecido essa versão na historiografia portuguesa sobre o inesperado desfecho desse casamento, já que originalmente o enlace seria com o sucessor de D. Manuel, o Príncipe D. João, a verdade é que a proposta de casamento com o próprio Rei Português foi originalmente sugerida pela Corte Espanhola. De acordo com as instruções recebidas por D. Miguel da Silva – Embaixador Português em Roma e encarregado de obter junto ao Papa Leão X, a Bula de Dispensação para aquele casamento, exigida por causa da consanguinidade dos noivos –, D. Manuel afirmava claramente que a iniciativa da oferta partira de Castela. Através da carta régia de 29 de Maio de 1518, informava o Rei Português ao futuro Bispo de Viseu, D. Miguel da Silva, que Álvaro da Costa, ao visitar o Rei Espanhol, “se ofereceu lhe ser lá falado em casamento da Infanta Dona Leonor, sua irmã, connosco.” Argumentando o monarca, que “por nos parecer pelos impedimentos que havia e até agora há nos casamentos de meus filhos, [...] quisemos nisso entender e aceitar o quanto da parte de lá nos foi falado e requerido”. Acrescentando ainda, que comunicasse ao Papa que “folgamos de entender neste casamento para que fomos requerido, quando para outras cousas se nos apresentaram grandes impedimentos”.[69] Seria esta uma solução de consenso para ambas as Coroas, apesar do mal estar gerado nalguns sectores mais próximos do Príncipe D. João, postura essa bem exemplificada pelo caso de D. Luís da Silveira – seu Conselheiro e futuro Conde de Sortelha – que acabou sendo desterrado da Corte por D. Manuel, por haver patenteado o seu desagrado.[70]
Não ficariam por aí os entendimentos sobre esse casamento. O Embaixador Álvaro da Costa confirmara a D. Manuel a ideia já ventilada por Pedro Correia, de que seria necessário fazer uma considerável despesa com os Conselheiros do Rei Espanhol para a viabilização daquele enlace. Assim sendo, D. Manuel instruiu o seu Embaixador em Castela por carta régia de 28 de Abril do mesmo ano de 1518, que “posto que em nossas cousas não tenhamos este costume como sabeis, pero pelo que nisso vos temos mandado que fizésseis e tendes feito e falado com o Chanceler, e pelo ponto em que este negócio já está e porque mais prestes se conclua, nós havemos por bem de a Chièvres e ao Chanceler, fazermos mercê de vinte mil cruzados.”[71]
Entretanto, haveria ainda mais uma outra despesa significativa, sendo agora para com o célebre Papa Leão X, que naquele tempo se achava empenhado em obter maiores recursos para poder concluir a Basílica de São Pedro e também decorá-la com a arte mais preciosa. Teria sido esta, aliás, uma das razões da reacção de Martim Lutero contra a venda de novas indulgências para aquele fim. Porém, a ela não pôde escapar D. Manuel, ao requerer através do seu Embaixador em Roma a tal Bula de Dispensação tão necessária à legitimidade do seu casamento.
A instrução do Rei Português fora para que D. Miguel da Silva gastasse “até oito ou dez mil cruzados se tanto se houver mister despender nisso”, contudo “vós, como sempre nos servis tanto a nosso prazer, vede se isto se pode fazer grátis ou ao menos com pouca cousa”.[72] Sobre a entrevista para o pedido daquela Bula pelo futuro Bispo de Viseu ao Papa Leão X, o Embaixador Português narrava que “Sua Santidade não se espantou nada porque havia quatro ou cinco dias que o Núncio lhe escrevera fumo disto, mas mostrou tanto prazer que cuidei certo que me havia de despachar tornando-me em cima dinheiro.”[73] De facto, D. Miguel relatava que o Papa “respondeu-me que era contente e que a dispensação se fizesse, mas que aparelhasse muitos mil ducados”, ao que respondera o embaixador: “que cria que Sua Santidade zombava e me queria fazer estimar mais a graça, pois se me em falar de siso e pedia quinze mil ducados, então de siso mais pedia que me fazia medo.” Depois de muita negociação, “ por derradeiro desceu a quatro mil, jurando-me de verdade que por menos um real a não havia de haver e dizendo-me que lhe mostrasse a carta de Vossa Alteza e que me prometia de me quitar dois mil ducados da comissão que por ela me dava,” o qual o embaixador ponderou que “não lhe podendo mostrar a carta que me tanto mais larga comissão dava [...] não me pareceu desserviço de Vossa Alteza aceitá-la a Bula e acerca da paga disse que eu não tinha mais de três mil; que aprouvesse a Sua Santidade os mil descontar da dívida que me devia. Foi disso contente e assim houve a Bula”. Informava ainda D. Miguel, que a remeteria à Corte de Castela por um correio expresso, conforme as ordens recebidas e que “se for com tamanha presteza como aqui foi despachada e mandada, bem irá, que nunca se viu em um mesmo dia haver o correio e despachar Bula, e despachar outro" correio.[74]
Finalmente e depois de tantas peripécias, consumou-se o casamento em Novembro daquele ano de 1518. Porém, foram prematuramente logrados os intentos iniciais do Rei Português devido ao seu falecimento três anos depois, a 13 de Dezembro de 1521. D. Manuel chegou ainda a ter uma filha desse casamento, a cultíssima Infanta D. Maria, personagem importante do Renascimento Português do séc. XVI e possível musa inspiradora de Camões,[75] falecida em 1577.
No entanto, cerca de um ano antes, em Évora, por carta régia datada de 6 de Novembro de 1520, ordenava D. Manuel: “que havendo nós respeito aos serviços que temos recebidos e ao diante esperamos receber de Luís Homem, Cavaleiro de nossa Casa, e por ser pessoa que no Ofício de Correio-Mor de nossos Reinos nos saberá bem servir e assim a todos mercadores e pessoas que quiserem enviar cartas de umas partes para outras, e com todo recado, fieldade e segredo que para tal caso cumpre, e querendo-lhe fazer graça e mercê: temos por bem e o damos novamente,[76] daqui em diante, por Correio-Mor em nossos Reinos”.[77] Culminava dessa forma o processo iniciado anos antes, quando Luís Homem servira como soldado no Oriente e depois como mensageiro real pela Europa afora, vendo agora os seus serviços recompensados através de um novo estatuto social. Passava não só a ter um título de nobreza, como Cavaleiro da Casa Real, mas recebia ainda um ofício público inédito em Portugal e claramente inspirado no modelo da Família Taxis. Conforme afirmava D. Manuel na mesma carta régia: “queremos e nos praz que ele tenha com o dito ofício, todos os privilégios, graças e liberdades que os Correios-Mores tem nos outros reinos onde os há e soi de haver”. Para uma melhor compreensão deste importante diploma, especificaremos a seguir os seus principais dispositivos.
Quanto às suas obrigações, Luís Homem teria que “dar continuadamente em nossa corte e assim ter por si pessoa que por ele esteja na nossa Cidade de Lisboa, e de ter sempre todos os correios que forem necessários para irem a quaisquer partes que seja, assim com cartas nossas, como de quaisquer mercadores e pessoas que lhas quiserem dar”. Entretanto e como remuneração desse trabalho, “levará por isso o preço que se com cada pessoa concertar segundo a disposição do tempo e os lugares para onde as tais cartas houverem de ir e o tempo em que quiserem que lhas levem”.
Para garantia do monopólio postal, especificava que “nenhum mercador nem pessoa outra, não poderá fazer correio que leve cartas para nenhuma parte de que se haja de levar porte, senão por mão do dito Luís Homem, salvo se quiserem mandar suas cartas por outras pessoas que não sejam correios, podê-lo-ão fazer”. Ou seja, não se impedia a troca de correspondência em geral, somente se salvaguardava o ofício específico de “mensageiros correios”, franqueando, por assim dizer, os “moços de recados”. Alertava-se, porém, “sob pena de qualquer que os ditos correios fizer, pagar cem cruzados por cada vez, a metade para a nossa câmara e a outra metade para o dito Luís Homem”.
Como proventos do seu ofício, Luís Homem “levará aos correios que assim fizer, o dízimo do que houverem de portes das ditas cartas, como se costuma levar nas outras partes, e será obrigado de os encaminhar e fazer agasalhar, e lhe arrecadar e fazer bons seus portes, de maneira que não possam perder nenhuma cousa”. Por outro lado, como acima foi referido, “este dízimo levará aos correios que ele tiver somente, e os mercadores poderão dar suas cartas e enviá-las por quaisquer pessoas que quiserem, não sendo os próprios correios que o dito Luís Homem tiver”.
E para o bom funcionamento das carreiras de postas que seriam criadas, ordenava ainda El-Rei D. Manuel: “e assim nos praz para melhor aviamento dos ditos correios, que nos lugares de nossos reinos onde parecer ao dito Luís Homem que são necessários cavalos de postas, haja em cada lugar até dois homens obrigados a terem os ditos cavalos e de os darem aos ditos correios por seu dinheiro; e estes queremos que sejam escusos de todos os encargos do concelho, como se tivessem disso privilégios por nós assinados e passados pela nossa chancelaria”, especificando ainda, que “estes homens privilegiados, serão nos lugares que nós, por nosso regimento, ordenarmos.” [78]
Com a sucessão de D. João III ao trono português, após a morte do Rei D. Manuel em 1521, Luís Homem foi confirmado no ofício pela carta régia de 2 de Agosto de 1525.[79] Nesse novo diploma especificou-se melhor que: “nenhum correio que de fora vier de qualquer partes que sejam, não se apeará nem dará nenhumas cartas a nenhuma pessoa, sem primeiro ir buscar o dito Correio-Mor ou a pessoa que por ele servir e a ela dará as ditas cartas para ela as dar a quem vão, ora sejam para mim ou para qualquer outra pessoa assim em minha corte, como na cidade de Lisboa, dos quais correios se forem de dentro de Espanha, levará de apresentação de cada um, dois reais de prata ou três vinténs por eles, e se for de fora de Espanha, lhe pagarão um cruzado cada um”.[80]
Numa perspectiva histórica-institucional, em que consistiria então, o ofício de Correio-Mor? Antes de mais nada, num ofício de natureza pública e burocrática. Ou seja, através da criação e provimento dos mais diversos e variados ofícios públicos por parte dos soberanos portugueses durante o Antigo Regime (entre os séculos XV e XVIII), procurava a coroa, então em franco processo de centralização política, delegar poderes e funções em áreas em que o poder real ainda não poderia se organizar e expandir de maneira satisfatória, por não ter ainda uma estrutura funcional suficientemente ampla. Surgia dessa forma, a génese da moderna burocracia. Os ofícios públicos, então criados, tinham um carácter de património em que a pessoa que o servia possuía a sua “função”, caracterizada “como um conjunto de direitos e deveres exercitáveis no interesse público”.[81] A ideia do monopólio postal na mão de um único indivíduo, vinha suprir a necessidade embrionária de uma estrutura de correios organizada para servir o público em geral e aos mercadores em particular, abrindo caminho para o seu desenvolvimento. Por outro lado, constituía uma solução racional por parte do Estado, tendo em vista a impossibilidade da coroa em arcar com o ónus da criação de uma infra-estrutura postal pública permanente, permitindo dessa forma o recurso à iniciativa de particulares para superar as lacunas da sua administração. O provimento dos ofícios públicos corresponderia também, ao reconhecimento régio da dedicação e fidelidade dos seus vassalos mais prestimosos e serviria como compensação de serviços relevantes prestados à coroa.
No entanto, há que chamar a atenção para um outro facto da maior importância. A criação do ofício de Correio-Mor não surgia de uma necessidade premente de melhoramento do serviço de comunicações da coroa, conforme se poderia presumir dentre as obrigações de Luís Homem e que consistia em “ter sempre todos os correios que forem necessários para irem a quaisquer partes que seja, assim com cartas nossas, como de quaisquer mercadores e pessoas que lhas quiserem dar”.[82] De facto, a coroa já possuía naquela época um serviço para o transporte das suas correspondências praticado pelos “Moços de Estribeira”, cuja responsabilidade estava a cargo de um alto funcionário da Casa Real, o Estribeiro-Mor, como já foi dito no início deste artigo. Nesse tempo, os moços de estribeira supriam praticamente toda a necessidade de “correios” da coroa, sendo Luís Homem uma excepção por não ter pertencido ao seu número, apesar de poder ter sido filho e irmão de um Estribeiro-Mor. Já Luís Afonso, seu sucessor no Ofício de Correio-Mor do Reino após o seu falecimento em 1532, foi escolhido dentre os moços de estribeira que serviam a casa real e cuja função exercia pelo menos desde 1514.[83] Assim, em primeiro lugar, mais do que suprir uma necessidade do Estado, a criação do ofício de Correio-Mor veio preencher uma lacuna na organização do serviço postal regular para um público mais diversificado, vindo posteriormente complementar e melhorar as necessidades de comunicação da própria coroa portuguesa.
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[1] Braamcamp Freire, Gil Vicente Trovador Mestre da Balança, Lisboa, 1944, pp. 147 e 148.
[2] Cf. Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 1ª, Maço 13, Doc. 40. Bombardeiro era um artilheiro de bombarda, pequeno canhão.
[3] Gaspar Correia, Lendas da Índia, Vol. II, Porto, 1975, p. 131; Ásia de João de Barros, Segunda Década, Lisboa, 1974, pp. 221 e 222; e Damião de Góis, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, Parte III, Coimbra, 1926, p. 34.
[4] Comentários de Afonso de Albuquerque, Tomo I, Lisboa, 1973, p. 263.
[5] Sobre Tomé Lopes, mercador, vide Anselmo Braamcamp Freire, Notícias da Feitoria de Flandres, Ed. Arquivo Histórico Português, Lisboa, 1920, nota nº 4 da p. 99.
[6] Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 1ª, Maço 13, Doc. 40.
[7] Sobre Lourenço Lopes, vide Braacamp Freire, opus cit., pp. 114 e 115.
[8] Sobre Tomé Lopes de Andrade, ibidem, pp. 22 e 88 a 91.
[9] Gaspar Correia, Lendas da Índia, Vol. II, p. 131; Ásia de João de Barros, Segunda Década, pp. 221 e 222; Fernão Lopes de Castanheda, História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, Porto, 1979, pp. 574 e 575; e Damião de Góis, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, Parte III, p. 34.
[10] Cf. Ata do Conselho de 10 de Outubro de 1510, in Cartas de Afonso de Albuquerque, Tomo II, Lisboa, 1898, pp. 6 a 11.
[11] Comentários..., Tomo I, p. 262; Gaspar Correia, Lendas..., Vol. II, p. 134; e Damião de Góis, Crónica..., Parte III, pp. 35 e 36.
[12] Cf. Ásia de João de Barros, Segunda Década, p. 223; Castanheda, História..., p. 587; e Comentários..., Tomo I, pp. 274 a 277.
[13] Comentários..., Tomo I, p. 277.
[14] Gaspar Correia, Lendas..., Vol. II, p. 138.
[15] Comentários..., pp. 283 e 284.
[16] Cartas de Afonso de Albuquerque, Tomo I, pp. 24 e 25.
[17] Ibidem, p. 432.
[18] Sobre esta problemática vide Marques de Almeida, Capitais e Capitalistas no Comércio da Especiaria, Lisboa, Ed. Cosmos, 1993, p. 24.
[19] Vide “Sumários das Cartas da Índia de Afonso de Albuquerque e Outros, que trouxe Conçalo de Sequeira” in Cartas de Afonso de Albuquerque, Tomo I, pp. 419 e 430, como também Gaspar Correia, Lendas..., Vol. II, p. 156.
[20] Cf. carta de D. Manuel ao Bispo de Segóvia in Cartas de Afonso de Albuquerque, Tomo III, pp. 20 e 21, e ainda: Carta de D. Manuel I ao Rei de Aragão, D. Fernando, sobre a Tomada de Goa, edição e notas de Virgínia Rau e Eduardo Borges Nunes, Lisboa, 1968. Neste último trabalho, ficou comprometida a análise que os autores fizeram desta desconhecida carta ao Rei de Aragão, por terem consultado unicamente os dois primeiros tomos das Cartas de Afonso de Albuquerque, passando dessa forma desapercebida a missiva endereçada ao Bispo de Segóvia, publicada no tomo III, que complementava as notícias anunciadas naquela carta ao Soberano Espanhol.
[21] Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 1ª, Maço 13, Doc. 40.
[22] Ibidem.
[23] Sobre o sistema de Quintaladas e Camarotes, vide Vitorino Magalhães Godinho, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, Vol. III, Lisboa, Ed. Presença, 1982, pp. 59 e 60.
[24] Ibidem, p. 58.
[25] Cf. o alvará publicado por Braamcamp Freire in Notícias da Feitoria de Flandres, p. 104.
[26] Damião de Góis, Crónica..., Parte IV, p. 73.
[27] Braamcamp Freire, Notícias..., pp. 88 e 89; e Marques de Almeida, Capitais e Capitalistas..., pp. 30 e 31.
[28] Braamcamp Freire, opus cit., pp. 95 e 96; e Doc. XXVII a pp. 170 e 171.
[29] Ibidem, pp. 104 e 105.
[30] Ibidem, Doc. LV, p. 221.
[31] Ibidem, p. 17.
[32] Ibidem, pp. 17 a 22.
[33] Sobre Cristóvão Barroso, vide Damião de Góis, Crónica..., Parte IV, p. 2.
[34] Conde Dom Fernando de Andrade, nobre castelhano que o Rei Carlos I de Espanha acolheu muito bem quando da sua visita à Bruxelas para lhe prestar vassalagem, sendo então nomeado Capitão Geral de Castela, cf. doc. infra.
[35] Carta de Rui Fernandes ao Rei D. Manuel de 6 de Maio de 1516, in Maria do Rosário de Sampaio Themudo Barata, Rui Fernandes de Almada Diplomata Português do Século XVI, Lisboa, 1971, pp. 182 e 183.
[36] Cf. minuta da carta de D. Manuel para Tomé Lopes, in Braamcamp Freire, Notícias..., Doc. LVII, p. 222.
[37] Cf. Torre do Tombo, Fragmentos, Minutas de Cartas Régias, Maço 1, nº 88.
[38] Sobre Francisco de Taxis, vide Berthe Delépinne, “La Poste Internationale en Belgique sous les Grands Maitres des Postes de la Famille de Tassis” in Une Poste Europeenne avec Les Grands Maitres des Postes de la Famille de la Tour et Tassis, Musée Postal, Paris, 1978, p. 20.
[39] Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 1ª, Maço 20, Doc. 8.
[40] Carta de Rui Fernandes ao Rei D. Manuel, de 6 de Maio de 1516, in Themudo Barata, Rui Fernandes de Almada..., pp. 182 e 183.
[41] Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 1ª, Maço 21, Doc. 82.
[42] Ibidem.
[43] Torre do Tombo, Fragmentos, Minutas de Cartas Régias, Maço 1, nº 88.
[44] Ibidem.
[45] Ibidem.
[46] Cf. Braamcamp Freire, Notícias..., pp. VI, 3, 223 e 224.
[47] Ibidem, Doc. LXIV, p. 227.
[48] Cf. Relações de Pero de Alcáçova Carneiro, Conde da Idanha, do Tempo que Ele e seu Pai, António Carneiro, Serviram de Secretários (1515 a 1568), Ed. de Ernesto de Campos de Andrada, Lisboa, 1937, p. 195.
[49] Crónica..., Parte IV, p. 49.
[50] Braamcamp Freire, Notícias..., p. 223.
[51] Ibidem, Doc. LXII, p. 225.
[52] Ibidem.
[53] Góis, opus cit., Parte IV, p. 73.
[54] Braamcamp Freire, Notícias..., Doc. LXII, pp. 225 e 226.
[55] Ibidem, p. VII.
[56] Ibidem, Doc. LXV, p. 229.
[57] Ibidem, Doc. LXVIII, p. 233.
[58] Ibidem, Doc. LXIII, p. 227.
[59] Ibidem, Doc. LXXII, p. 236. O grifo é nosso.
[60] Ibidem, Docs. LXX a LXXVI e LXXIX a LXXXI, pp. 234 a 244.
[61] Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 1ª, Maço 21, Doc. 72.
[62] Arquivo Histórico da Fundação Portuguesa das Comunicações, Documentos dos Séculos XIII a XIX Relativos a Correios, Coligidos por Godofredo Ferreira, Vol. I, Doc. 15.
[63] Torre do Tombo, Cartas Missivas, Maço 2, Doc. 155.
[64] Braamcamp Freire, Notícias..., Doc. LXXXIII, p. 247.
[65] Ibidem, Doc. LXXVIII, pp. 241 e 242.
[66] Ibidem, Doc. LXXXII, p. 246 e Torre do Tombo, Cartas Missivas, Maço 2, Doc. 155.
[67] Sobre esta Embaixada, vide também Braamcamp Freire, Gil Vicente Trovador Mestre da Balança, Lisboa, 2ª ed., 1944, pp. 129 a 132.
[68] Opus cit., Pub. por Alexandre Herculano, Lisboa, 1844, p. 16.
[69] Cf. minuta da carta régia in Corpo Diplomático Português, Tomo II, Lisboa, 1865, p. 10. O grifo é nosso
[70] Cf. Frei Luís de Sousa, Anais..., p. 18.
[71] Cf. minuta da carta régia in As Gavetas da Torre do Tombo, Vol. XI, pp. 205 e 206. Menos dez mil cruzados do que havia sido sugerido anteriormente pelo Imperador Maximiliano.
[72] In Corpo Diplomático Português, Tomo II, Lisboa, 1865, p. 11.
[73] Ibidem, p. 16.
[74] Ibidem, p. 17.
[75] Cf. José Maria Rodrigues, Camões e a Infanta D. Maria, Coimbra, 1910.
[76] Novamente no sentido antigo de novidade, de fazer pela primeira vez e não no actual significado de tornar a fazer. Cf. António de Morais Silva, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 10ª ed., Lisboa, 1954.
[77] Torre do Tombo, Chancelaria de D. Manuel, Livro 37, fl. 98.
[78] Idem, doc. cit.
[79] Torre do Tombo, Chancelaria de D. João III, livro 8, fl. 94.
[80] Torre do Tombo, Chancelaria de de D. João III, livro 8, f. 94.
[81] António Manuel Hespanha, História das Instituições, Coimbra, Ed. Almedina, 1982, p. 394.
[82] Torre do Tombo, Chancelaria de D. Manuel, livro 37, fl. 37v. O grifo é nosso.
[83] Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 1ª, maço 16, doc. 25.
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